
De cair o queixo
Faz pouco tempo, cutucaram um nosso escritor muito popular: “O senhor vende livros feito água. No entanto, a camada mais esclarecida de leitores nota graves defeitos em sua obra: a falta de substância literária e o desconhecimento da língua portuguesa. São constantes os erros de pontuação, ortografia, concordância...”
Resposta do festejado escritor, profundo conhecedor do óbvio, mais conhecido (sabe lá Deus por quê) até no Sri Lanka: “Lê meus livros quem quer. Não me consta que alguém tenha morrido por causa de uma vírgula a mais ou a menos...”
Resposta assim deselegante remete-me ao grande Albert Einstein, misto de matemático, físico, filósofo e cultor de saborosas tiradas de humor: “É mais fácil desintegrar um átomo que dobrar um teimoso”. O tal afamado escritor deveria entender que os sinais de pontuação, por exemplo, não foram criados de brincadeirinha, ao sabor dos ventos. Há razões muito plausíveis para sua existência na comunicação escrita. A título de ilustração, vou citar um caso possivelmente conhecido dos leitores. Trata-se da historinha do rapaz que, num certo reino, tinha sido condenado à forca. Formalizou-se a acusação e o processo foi encaminhado ao Conselho de Ministros, órgão competente para analisar o assunto.
Suas excelências deram parecer favorável à execução do jovem. Fosse eliminado, sim, o violador da lei! Mas a decisão definitiva cabia ao rei, autoridade máxima qualificada para prolatar a sentença final. Sua majestade não hesitou e sapecou: “Se meus ministros são a favor do enforcamento, EU NÃO SEREI CONTRÁRIO”.
Dizem as más-línguas que, na calada da noite, o condenado conseguiu invadir o gabinete do rei, fuxicou as gavetas de sua mesa de trabalho. Com a sentença em mãos, o danado meteu uma vírgula depois do “não”, desviando a mensagem original, assim: EU NÃO, SEREI CONTRÁRIO.
Seria bom que o famoso escritor lido até no Sri Lanka pusesse as barbas de molho e reconhecesse que uma vírgula pode não matar uma pessoa. Pelo contrário, pode salvar uma vida...
O despreparo de alguns comunicadores no trato da língua portuguesa é impressionante, se não for revoltante. Criaturas que fazem questão de ostentar títulos universitários não têm o necessário pudor de estampar textos e manchetes do mais baixo nível – estilístico e gramatical.
Numa das últimas crônicas relatei o caso de um operário que, por um triz, faria necessidade fisiológica na própria marmita, em cima de sua comida, tudo por obra de desavisado redator de uma simples notícia policial. É que o texto, embolado e prolixo, sugeria essa ridícula interpretação.
Agora vem outra manchete, igualmente esquisita, capaz de escancarar a qualidade do “jornalismo” hoje praticado por certas publicações: “Incêndio em carro MATA HOMEM CARBONIZADO”. Entenderam? O infeliz já estava carbonizado; só depois o incêndio o matou! Quem sabe desejam recriar a história do “cadáver mais ou menos morto”? Como veem, tudo coisa de cair o queixo...

Pedro Moreira
Professor de Português, revisor, consultor, autor dos livros "Casos e Coisas do Pará Antigo", "Cronicontos" e "O Pássaro e a Dona e Outros Textos".