O hipnotizador

Pedro Moreira
Pedro Moreira é professor de Português,
revisor, consultor, autor dos livros
"Casos e Coisas do Pará Antigo",
"Cronicontos" e
"O Pássaro e a Dona e Outros Textos".
Pequena estatura, franzino, sua figura em nada sugeria o carisma que exercia junto às pessoas. Que eu me lembre, estaria ele na faixa dos quarenta anos. Cabelos levemente grisalhos e rentes, um bigodinho quadrado encimando a boca miúda compunham o rosto risonho de uma criatura de bem com a vida.
Por alguns anos, aqui exerceu o cargo de diretor do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem, sendo uma figura popular, um bemamado entre os paraenses.
À parte suas qualidades de pessoa lhana e prestimosa, uma chamava a atenção: tinha o dom de hipnotizar. Esta faculdade lhe conferia ares de paranormal, para os mais instruídos; de mágico, para o restante da grande massa de admiradores.
Vez por outra, promovia espetáculos beneficentes no salão do saudoso Cine Vitória, cujo prédio continua firme e forte, ali nas imediações de nosso principal hospital.
As sessões de hipnotismo eram de tal jeito concorridas que chegavam a exigir reapresentação numa mesma noite, com lotação completa. Vistosamente paramentado de terno e gravata, o apresentador surgia no palco sob aplausos calorosos de uma plateia ansiosa para vê-lo executar seus divertidos números. Primeiro, convidava os presentes a cruzarem as mãos atrás da cabeça; depois, voz cavernosa e ritmada, dizia umas frases de efeito. Em seguida, ordenava:
- Descruzem os dedos! Quem não for capaz venha aqui ao palco!
Não eram poucos os espectadores que para lá se dirigiam. Ao dizer-lhes, a cada um, umas palavras em voz abafada, bem ao pé do ouvido, o hipnotizador os libertava das mãos enrijecidas. Finalmente, no palco restavam uns poucos renitentes durões que ainda resistiam com os dedos encalacrados à nuca. Nessa hora é que o hipnotizador punha em prática seus dotes "sobrenaturais". Escolhia um de seus "pacientes" e o colocava sob seu domínio. Gente de todas as idades era, então, transformada em motoristas, músicos, cozinheiros, babás, médicos e vendedores de picolé. Havia também o fabuloso número da regressão, hora em que a pessoa anda em marcha a ré nos trilhos de sua vida, até a estação da primeira infância.
Com voz mansa e envolvente, o animador dizia a seu improvisado coadjuvante, ao perceber que ele estava, enfim, fora de órbita:
- Vicentina (essa Vicentina poderia ser, por exemplo, uma comerciante), você está cozinhando em sua casa... Olhe o bife, não o deixe torrar! Olhe o arroz, Vicentina, a água secou... Frite estes ovos para nós...
No palco, a moça fazia à perfeição os gestos de uma experta cozinheira, enquanto a plateia explodia em gargalhadas. Logo, era a vez de um cidadão, digamos que conhecido dde todo o mundo por ser dono de farmácia, e caía nas "garras" do hipnotizador:
- Samuel, você vai operar a barriga de um rapaz. Vamos, meta o bisturi... Isso! Agora veja aí dentro da barriga dele... Ih, retire este prego que ele engoliu, coitado... – e no que Samuel obedecia, a plateia vinha abaixo, em delírio.
Dia desses, descobri em meus guardados um envelope pardo com a etiqueta "recortes". Entre eles, um aviso fúnebre, publicado no "Estado de Minas": Engº Aimoré Dutra Filho – Missa do sétimo dia – 28-12-2003.
Bravo doutor Aimoré! A hipnose da morte o pegara para sempre.