Festa “junina”?...
Pedro Moreira é professor de
Português, revisor, consultor, autor
dos livros Casos & Coisas do
Pará Antigo, Cronicontos e O Pássaro
e a Dona & Outros Textos.
Vou tomar emprestada ao
escritor Autran Dourado
uma palavra criada por
ele mesmo: americanalhar uma
sutil mistura de “americano” e
“avacalhar”. O caso foi que, em
carta à culinarista Maria Stella
Libânio Christo, o mineiro Autran
lamenta: “Minas vai acabar,
eu sei. Minas de antigamente,
a nossa, a eterna, com a qual
nos defrontaremos no Juízo Final,
quando tivermos de prestar
contas e nos perguntarem o que
fizemos daquela sopa tão boa
chamada “Maneco com Jaleco”.
Por mais que agente queira fazêla
de novo viver, há sempre os
olhos dos drugstores espreitando,
ameaçando com seus hamburgers,
catchups e outros assassínios.
Tempos bons dos doces e
quitandas, das deliciosas comidinhas
mineiras. Nada de serviço
à francesa; os pratos todos na
mesa, fumegantes e cheirosos. O
mundo não tinha começado ainda
a se americanalhar, ninguém
comia comida de sal com doces e
frutas em conservas”.Pois bem, lamentavelmente, com o escancarado apoio (ou subserviência) de mal-avisados educadores, em muitas escolas nossas festas juninas são hoje o retrato desolador de uma estúpida transformação cultural. Uma patuscada de caubóis e cubraslibres. Não se vêem as figurações próprias da data: fogueira, casamento na roça, quadrilha, hasteamento das bandeiras dos três santos, quitutes e bebidas típicas. Não se ouvem as doces canções invocadoras das noites estreladas de junho. Em lugar do delicioso quentão, dos cartuchos de amendoim torrado, dos pés-de-moleque, da suculenta canjica, da pamonha, da broa de fubá, do mingau de milho verde, da vaca-atolada, dos biscoitos de polvilho e de farinha, do apetitoso caldinho de feijão, da pipoca estourada na hora, do cafezinho fumegante, entraram a trivial cerveja, a cuba-libre, a coca-cola, a coxinha e o pastel, produtos encontradiços em qualquer boteco de esquina, no dia-a-dia, a qualquer momento. Inesquecíveis modinhas de bons tempos, como Capelinha de Melão/ é de São João e Cai, Cai, balão/ aqui na minha mão, deram lugar a músicas de vaqueiros “americanalhados”, aos “sucessos” de pretensas cantoras de vozinha aveludada e sensual, quando não a músicas de rodeio, estratosfericamente distantes das comemorações juninas. Para completar essas “avacalhações”, garotinhos ridiculamente vestidos a caráter, ou melhor, fantasiados de caubóis! (Já fui a uma dessas festas numa vizinha cidade e simplesmente me senti um trevo de quatro folhas naquele ambiente.)
Onde estão nossos educadores? Pelas evidências, eles se esqueceram de que educar é um ato de profunda responsabilidade, um processo que envolve bom senso e constante fidelidade aos propósitos de dar boa formação moral e cívica aos jovens. Afinal, a escola é o local qualificado para eles iniciarem os primeiros passos na identificação de sua pátria, de sua língua, de seus costumes, de sua cultura. Por isso, se aqui estivesse, Autran Dourado estaria gritando: Parem de americanalhar nossas heranças culturais! Não descaracterizem nossas tradições, valorizem o que é genuinamente nosso!
Professores e pais existem que reconhecem o equívoco em que certas escolas mergulharam, de uns tempos para cá: a “modernização” do nosso folclore, como se isso não fosse uma pilhéria de profundo mau gosto. Mas, de outro lado, estão os desconectados da cultura e, por isso, compartilham aquele monstruoso equívoco.
Não demora, os pequenos caubóis de hoje vão engrossar a legião dos patriotas de fachada, aqueles que amam o Brasil somente à época das Copas do Mundo...
Junho 2007