
Um poço de ciladas
Entre um professor “bravo” e um professor “exigente” vai um abismo. Aquele prima pela grosseria, pela falta de tato profissional com sua preciosa clientela – seus alunos. O outro lembra a figura do professor exemplar que, paralelamente a aulas bem preparadas e substanciosas, vê-se no direito de avaliar o aprendizado de seus discípulos, fazendo jus ao reconhecimento de seu trabalho.
Quando se classifica um professor de “exigente”, o adjetivo naturalmente soa como um elogio a sua dedicação, a seu senso de responsabilidade; em contrapartida, a qualificação de “bravo” deslustra sua condição de educador digno de verdadeiro apreço. Por aí fica evidente o problema da confusão de vocábulos, o mau uso das palavras, como veremos abaixo, em outras situações.
A mídia, em geral, é vezeira em frases estapafúrdias, do tipo “terremoto não é PRIVILÉGIO da China”, “inundações não são PRIVILÉGIO de Santa Catarina”. Ora, só loucos para desfrutarem esse detestável “privilégio”. (Em seu lugar, ficaria de bom tamanho o termo “exclusividade”.)
Frases descabeladas como “HÁ duas semanas ATRÁS” são ouvidas aos borbotões, em todos os ambientes, sem que ninguém dê pela tolice que brota de uma baita distração.
Faz poucos dias, ouvi de um político esta aberração: “Essas iniciativas isoladas do governo são ELOS DE LIGAÇÃO de um grande projeto”. Já viram algum elo que não seja de ligação? Outros dizem FATOS REAIS, como se todo fato não fosse necessariamente real, motivo porque não existe fato lendário, fictício.
Quando menos se espera, nossos ouvidos captam um disparate deste: “PAIRAM NO AR algumas dúvidas”. Onde mais elas poderiam pairar, meu Deus? No chão é que não... Já um jornalista de fama nacional, danado para fazer comentários na televisão e em importantes rádios do Brasil inteiro, assoprou aos microfones: “O ERÁRIO PÚBLICO já não suporta os desmandos praticados por maus administradores”. Acontece que “erário”, em bom português, significa não menos que “cofres públicos”, não sendo possível a expressão “erário particular”.
Por sua vez, alguns advogados e juízes, até professores de Direito, incorrem em grosseiro engano ao instituírem por sua conta e risco um verbo inexistente em nossa língua. Em lugar de empregarem VIGER, isto é, VIGORAR, dizem ou escrevem VIGIR, termo absolutamente fictício, ausente em todos os dicionários.
O despreparo de certos comunicadores responde por esquisitices piores, como é o caso de um texto mal redigido. A título de exemplo, transcrevo o monstrengo recentemente estampado num badalado tabloide: Há vários dias o operário vinha passando mal com dores de barriga e desconfiou da esposa. Após encontrar cápsulas (remédio) PARA SOLTAR O INTESTINO NO MEIO DA COMIDA acondiciona- Um poço de ciladas da na marmita, resolveu denunciar a mulher à polícia. O malfadado redator, na verdade, quis dizer que o operário, após ENCONTRAR NO MEIO DA COMIDA cápsulas de remédio próprias para fazer soltar os intestinos, deu queixa à polícia contra a mulher. Conseqüência: o final da ópera quase termina em desastre ecológico no “meio ambiente” de uma simples marmita!
Assim, fica mais uma vez provado que a língua é, sim, um poço de ciladas, sujeito até mesmo a provocar tsunâmis intestinais em espaços os mais impróprios possíveis...

Pedro Moreira
Professor de Português, revisor, consultor, autor dos livros "Casos e Coisas do Pará Antigo", "Cronicontos" e "O Pássaro e a Dona e Outros Textos".