Canto de Página

Doce pesadelo




Pedro Moreira
Professor de Português, revisor,
consultor, autor dos livros
“Casos & Coisas do Pará Antigo”,
“Cronicontos” e “O Pássaro e a Dona
& Outros Textos”.
Vejam como o destino prega suas peças. Dona Maria (vamos chamá-la assim), uma humilde senhora já resvalando 80 anos, desfrutava seu remanso numa pequena cidade mineira, quando de repente passou a viver um doce pesadelo. Por que “pesadelo”, por que “doce”, logo adiante se verá. Foi o caso que, a clara manhã ainda se espreguiçando, um papagaio errante pousou em seu quintal, e adivinho ter sido num robusto abacateiro. A ave parecia foragida de algum poleiro maldito. O bichinho estava tristonho, aperreado, meio despenado e um tanto magro. A custo, Dona Maria o recolheu, passou a servir-lhe papas de legumes, afora água fresca e ração, sempre se desdobrando em cuidados na esperança de vê-lo falante e feliz. Ao cabo de poucas semanas, conseguiu realizar o sonho. Viúva, mergulhada na solidão de sua mísera casinha, ela supria a carência de afetos com a amizade do mimado papagaio, àquela altura perfeitamente ambientado na nova moradia, receptivo aos afagos da carinhosa amiga, acostumado com o aconchego de seu poleiro, ainda bem que a salvo dos gatos rapineiros da vizinhança. Até uns retalhos de frases ele aprendera, mas sem ser tagarela nem importunador.

Eis senão quando (como diziam nossos avós) dona Maria é intimada pelo Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis – a explicar a presença do papagaio em sua casa, em sendo ele um espécime da fauna silvestre. (A propósito, muita insensatez desse tipo se comete em nome de uma legislação tosca e confusa, capaz de desafiar a sensibilidade dos juízes inteligentes e preparados.)

Isto posto, não há como aceitar passivamente a atitude dos fiscais do Ibama. “Excesso de zelo”, dirão alguns. “A lei é que é burra”, dirão os mais ácidos. Na verdade, a atitude insólita parece ter ofuscado a inteligência dos fiscais, a ponto de fecharem os olhos ao contrassenso que é retirar a indefesa ave daquele novo ambiente, sabidamente saudável e acolhedor, e atirá-la na natureza hostil, sujeitando-a aos perigos, desde o risco da fome à sanha dos predadores.

Não bastasse decisão assim antipática, a desditosa senhora foi multada em alguns mil reais por manter em “cativeiro” (?!!) o inocente papagaio. Constrangedor é saber que Maria percebe por mês a bagatela de trezentos e alguns reais a título de pensão do marido. Mas lá veio a multa.

Acredite quem puder. Com perdão do trocadilho, estamos diante de uma papagaiada. Pior que tudo, patrocinada por uma entidade respeitável quanto o Ibama.

***

A cada temporada de formaturas, tenho notado pequena distração nos convites individuais. Os formandos, elegantemente, registram seus agradecimentos àqueles que, de uma forma ou de outra, os ajudaram em sua jornada estudantil, apoiando-os no que foi necessário. São contemplados os pais, avós, irmãos, filhos, amigos, namorados, namoradas (aqueles mais que estas), enfim os que lhes deram suporte nesse momento especial de suas vidas. Estranhável é que, para os primeiros professores (jardim da infância, escolas), justamente os que lhes descerraram o horizonte a seguirem, não sobre uma migalha de agradecimento! Sempre é bom lembrar: gratidão e justiça não ocupam espaço, quanto mais numa frase tecida pelo coração.