Canto de Página

"Olha o teu rabo!"

 Pedro Moreira
Pedro Moreira
Pedro Moreira é professor de Português,
revisor, consultor, autor dos livros
"Casos e Coisas do Pará Antigo",
"Cronicontos" e
"O Pássaro e a Dona e Outros Textos".

Correm, Brasil afora, os disparates cometidos nas provas de redação do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio. Em síntese, elas chamam nossa atenção por escancararem o nível cultural de boa parte dos candidatos, especialmente o deplorável trato com a língua portuguesa.

Na coletânea daquilo que se convencionou chamar de "abobrinhas (ou pérolas) do Enem", há lances cômicos, do tipo "A cada hora, muitas árvores são derrubadas por MÃOS POLUÍDAS SEM CORAÇÃO; a floresta amazônica tem valor ILASTINÁVEL; A floresta amazônica não pode ser destruída por pessoas NÃO AUTORIZADAS; EMOÇÃO DE POLUENTES ATMOSFÉRICOS aquece a floresta; o AUMENTO da temperatura da terra está cada vez mais AUMENTANDO; Um sujeito chamando CHICO SPIRE escreveu dois livros; Romeu e Julieta; Quando os portugueses chegaram ao Brasil, nossa natureza já era bem velhinha. Imagine agora".

Como se vê, trata-se de conceitos inadmissíveis para quem cursa o ensino médio, mas justificáveis para quem abastece a cultura em fontes duvidosas, longe das bibliotecas e das grandes publicações formadoras de opinião. Acontece que, lá com cá, más fadas há, como diriam nossos manos portugueses. Aqui teria vez o ditado: "Macaco, olha o teu rabo!" Afinal, pérolas e tropeços linguísticos povoam, há muito, certa parte dos meios de comunicação, os mesmos que se divertem em repassar as derrapadas dos candidatos do Enem, entre jovens e adultos.

Há tempos, ouvi por uma emissora de rádio belo-horizontina, durante a transmissão de um jogo: "O jogador fulano de tal está MEIO DESMAIADO e vai ser retirado de campo". Dois minutos após, o rapaz (um declarado repórter de meia-tigela) voltou à carga: "Felizmente o fulano deu os primeiros sinais de vida, depois do desmaio". Que primor de informação! E pensar que o Código Brasileiro de Radiodifusão prevê justamente incentivo à educação popular...

A cada abobrinha, a cada tropeço gramatical extraídos das provas do Enem explodem outros tantos gerados por gente despreparada, em todos os sentidos, mas atuante nos meios de comunicação em geral. Uma não esqueci jamais. Bem-intencionada repórter de rádio, por sinal bastante experiente, saiu-se com esta enigmática notícia: "O jovem se envolveu numa briga e teve alguns DENTES DA BOCA quebrados". Pelas veneráveis barbas de Netuno! Que dentes poderiam ser esses se não fossem da boca?

Acredite quem puder: há os profissionais que embaralham gestão e gestação; os que aceitam expressões estapafúrdias como DESFECHO FINAL; zona RURAL DA CIDADE; crise DO DESEMPREGO; paciente GRAVE; serviço de METROLOGIA (em vez de METEOROLOGIA); DEIXA EU falar aqui com fulano. Há também os comunicadores mal informados que ignoram a distinção entre cidade e município. Simplesmente confundem Zé Carroceiro com Zeca Roceiro, daí surgindo a basbaquice de "aniversário da cidade", em vez de "aniversário do município", como é o caso da confusão estabelecida aqui em Pará de Minas.

Um vício muito comum na mídia é VÍTIMA FATAL. Sabendo- se que "fatal" quer dizer decisivo, prejudicial, nenhum sentido faz a expressão. Mas, falar não adianta. A lição não entra na carapaça de muitos comunicadores, a menos que Freud explique a teimosia. Infelizmente, eles se atrevem a afrontar o bom senso, a recusar o que é linear e correto. E dane-se a cultura popular!