Informatização do Ambiente de Trabalho
E-mails corporativos: é permitido ao empregador fiscalizar o correio eletrônico de seus funcionários?Dentre outras grandes inovações trazidas pela revolução tecnológica que se deu no último século, destacamos o correio eletrônico, um meio de comunicação eletrônico, que possibilita a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer parte do globo. A discussão acerca da licitude da fiscalização de correios eletrônicos nos ambientes de trabalho é de relevante interesse ao meio empresarial, sobretudo, quanto aos limites a serem impostos a esta fiscalização.
A informatização do ambiente de trabalho, com a grande difusão das comunicações por meio de correio eletrônico, vem aguçando a controvérsia acerca da abrangência do poder diretivo do empregador, sendo certo que a utilização de novas tecnologias proporciona ao empregador o exercício de seu poder diretivo de maneira muito mais ampla e irrestrita.
Surge, portanto, a necessidade de delinear a fronteira entre o direito à intimidade do empregado e o poder de direção do empregador, por tratar-se de tema atual, de extrema importância e ainda insuficientemente abordado pelo ordenamento jurídico pátrio, onde não se encontram diretrizes específicas para a regulamentação dos procedimentos de fiscalização dos correios eletrônicos no ambiente de trabalho.
De início, cumpre ressaltar que a fiscalização das mensagens de correio eletrônico meramente no âmbito eletrônico, de forma a não se pesquisar o conteúdo informativo das mensagens, mas somente fiscalizá-las quanto à presença de vírus de computador, é indiscutivelmente possível, lícita e até necessária, em virtude do atual fluxo de programas destrutivos na Internet.
Superado este primeiro passo, necessário se faz separarmos a fiscalização do correio eletrônico em duas possibilidades: a fiscalização do correio eletrônico profissional e a fiscalização do correio eletrônico pessoal acessado no ambiente de trabalho.
O correio eletrônico pessoal pertence exclusivamente ao empregado, enquanto pessoa física, e é por meio deste correio eletrônico que a pessoa se comunica com outros usuários, tratando de assuntos e relações jurídicas estritamente particulares.
Em se tratando do correio eletrônico pessoal, a interceptação de dados é ato criminoso tipificado no artigo 1º da Lei 9.296/96, pois vulnera a intimidade e a privacidade como direitos da personalidade.
Tendo em vista o caráter eminentemente particular do correio eletrônico pessoal e o fato de que este é, indubitavelmente, de propriedade do próprio trabalhador, não havendo sido cedido pela empresa, entendemos que a violação do correio pessoal, onde quer que seja acessado, constitui patente invasão de privacidade estando, conseqüentemente, passível de reparação pelo dano sofrido. Em virtude de a propriedade do correio eletrônico pessoal ser do empregado, o poder diretivo do empregador não poderia abrangê-lo, uma vez que o poder de direção guarda forte vínculo com o direito de propriedade do empregador.
Portanto, a fiscalização do correio eletrônico pessoal acessado no ambiente de trabalho seria ilegal. Entretanto, a consulta pelo empregado a e-mail particular e a navegação por páginas que não tenham relação com seu trabalho podem configurar desídia no cumprimento de suas funções, portanto motivo para rescisão do contrato de trabalho por justa causa.
Nada impede que a empresa imponha a proibição ou restrição da utilização do correio eletrônico particular durante a jornada de trabalho. É faculdade legítima da empresa obstar o acesso ao correio eletrônico pessoal por meio das ferramentas de trabalho por si fornecidas.
Já a fiscalização do correio eletrônico profissional se justifica por preservar o respeito à honra e à imagem da empresa e por garantir um melhor desempenho dos empregados no horário de trabalho, ademais de o e-mail profissional ser de propriedade da empresa, disponibilizado ao empregado como ferramenta de trabalho e com fins específicos. Nesse sentido, a doutrina majoritária aponta para a possibilidade de fiscalização do correio eletrônico profissional, desde que obedecidos certos requisitos.
Necessário para se realizar a fiscalização do correio eletrônico profissional a prévia ciência do empregado que deverá ser efetuada no momento de sua contratação ou da implantação de um sistema de correio eletrônico profissional e a comprovação de que realmente a fiscalização do correio eletrônico serviu para o fim a que se destina.
Necessário por final delimitarmos duas situações possíveis quanto à fiscalização do correio profissional: a fiscalização do correio enviado e a fiscalização do correio recebido.
Em se tratando do "correio eletrônico profissional enviado pelo empregado", a incidência do poder de fiscalização do empregador é perfeitamente possível, desde que a fiscalização seja clara e previamente pactuada na relação de emprego.
Ressalte-se que a anuência do empregado, seja individualmente ou por meio de representação sindical, é elemento essencial para a possibilidade legal da fiscalização do correio eletrônico, pois o consentimento do interessado é uma das hipóteses legítimas de limitação da proteção à intimidade da pessoa.
Portanto, juridicamente possível a fiscalização do correio eletrônico profissional enviado, desde que tomados certos cuidados como: a previsão do procedimento fiscalizatório no Regulamento Interno da Empresa ou em normas coletivas; o aceite, ainda que tácito, desta política de fiscalização pelo empregado; a ciência, de todos os empregados, da política de utilização e fiscalização do correio eletrônico da empresa e a proporcionalidade da fiscalização, obedecendo a uma finalidade específica e preservando a esfera de intimidade do empregado.
Quanto à fiscalização do "correio eletrônico profissional recebido" constata-se a existência de conflito entre o poder diretivo do empregador, o direito à intimidade do empregado, e ainda o direito à intimidade de terceiro, que enviou o e-mail que, notadamente, não pode ser abrangido pela ingerência do empregador.
A fiscalização do correio eletrônico profissional recebido pode representar excesso, por causar transtornos reais à vida íntima de seus empregados e terceiros.
Embora o empregado seja o destinatário da mensagem, o remetente do correio eletrônico pode ser pessoa estranha à empresa e não necessariamente terá conhecimento das normas do regulamento interno da empresa, e, em sendo assim, a fiscalização deste e-mail representaria afronta a privacidade de terceiros.
Ademais, se o remetente da mensagem é pessoa estranha à empresa e, conseqüentemente, não tem conhecimento da política fiscalizatória da empresa onde trabalha o destinatário, decerto que o remetente partiria da premissa que sua intimidade (sigilo postal) seria respeitada, amparado, inclusive, pelo princípio da boa-fé objetiva, abraçado pelo Código Civil vigente.
Portanto, sendo certo que a prevalência do poder diretivo do empregador sobre o direito à intimidade estaria sujeita a certas condições, dentre as quais destaca-se o consentimento do interessado, resta inequívoco que a fiscalização eletrônica do correio eletrônico profissional recebido deve ser repudiada, uma vez que afrontaria o direito à intimidade de terceiros, estando passível de indenização por eventual dano moral ou material causado.
Fonte: Site Jus Navigandi - Bruno Herrlein Correia de Melo: Aspectos jurídicos da fiscalização do correio eletrônico no ambiente de trabalho
Fevereiro 2007