Canto do Página

Divagando...


Pedro Moreira
Professor de Português, revisor, consultor e escritor
A direção de certas editoras de livros parece ter voltado as costas à língua portuguesa. Ora, é de tradição (saudável tradição!) que os originais de uma obra, antes de ela vir a lume, sejam submetidos à ciência de alguém verdadeiramente familiarizado com os segredos do idioma. Trata-se, quando menos, de um procedimento ético em relação ao leitor-consumidor. Afinal, não se pode valorizar a embalagem em prejuízo de seu conteúdo...O que tenho visto, porém, são livros de visual muito bem-acabado, texto de boa qualidade, mas enfeados por desconcertantes agressões à língua.

Bem a propósito, tenho em mãos uma preciosidade literária, um livrinho intitulado Relicário-Fragmentos de Amor e Paixão, da jornalista e poeta paulista Fátima Irene. Não, não se trata de um desfile de "lágrimas sentidas", nem corações dilacerados; o leitor vai-se encantar da beleza estética dos versos, todos de delicado lirismo, extravasados em mensagens lindas, como:

"Amei o encanto de tua fala,
a magia de teu sorriso;
amei o teu recato, a tua prudência
e até a tua timidez.

Amei o teu jeito único
e mil vezes te amaria outra vez.


Sobrepaira o mistério da revisão gramatical deste Relicário - aqui e ali manchado por borrões lingüísticos, destoantes de sua forma e conteúdo. Que pena!

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Estou por entender como certos profissionais, a exemplo de publicitários, jornalistas, professores e advogados, não tenham em sua grade curricular universitária o ensino metódico da língua portuguesa, em todas suas etapas. Essa falha acaba por prejudicar muita gente talentosa, privando-a do aprendizado da língua, tão útil na prática de seu ofício. Se há os profissionais liberais lamentadores daquela gritante falha (e vários são meus alunos particulares), existem aqueles que só se preocupam em "apreender" outras línguas, ou que se tornam escravos da informática, ao avaliá-la como o supra-sumo da modernidade. Mas, na hora de emitir um singelo e-mail, é aquele desastre... Infeliz língua portuguesa! Tão rica, tão linda, mas desprezada por quem menos poderia fazê-lo!

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Já imaginaram como seria a voz de Jesus? De Maomé? De Pedro Álvares Cabral? De Tiradentes? De Machado de Assis? E olhem que a voz nem sempre se casa com a massa corporal de seu dono. Não necessariamente um sujeito corpulento emite uma voz tonitruante. Em contrapartida, nada impede que um franzino tenha voz de tenor. Por isso é impossível afirmar se a voz de alguma figura histórica era fraca ou forte, cavernosa ou trovejante, sensual ou ranhenta (aquela da mulher do Homer, dos Simpsons).

O mesmo se diga quanto ao modo de andar. Que ritmo teriam os passos daquelas personalidades - seriam cadenciados, estreitos ou apressados e largos de quem vai para a guerra? A causa mortis das celebridades costuma entrar em suas biografias. Mas as características acima lembradas permanecerão dados intrigantes se a referência for, por exemplo, ao macérrimo Machado de Assis. Haja imaginação!
Fevereiro 2007