
Ditos & feitos
Um jornalista da nova geração estranhou recentes declarações do governador Anastasia, não quanto a seu conteúdo político, mas linguístico. Foi a conta o recém-eleito mandachuva mineiro usar em sua fala expressões como "Panteão" e "Jubiloso" para o jovem (sim, deve ser um quase adolescente) jornalista se escandalizar com a linguagem anastasiana e achá- -la "um tanto rebuscada".
É incrível que um comunicador de importante órgão da imprensa ignore o sentido de Panteão (na antiga Roma, era o edifício consagrado à memória de homens ilustres) e jubiloso (cheio de júbilo, isto é, alegria). A pobreza vocabular anda mesmo rondando os frequentadores da internet. Ela, por mal dos pecados, já é uma péssima professora de português.
O tal jornalista alegou que o povão não é obrigado a saber o significado daqueles termos ?surpreendentemente utilizados? por Anastasia: Panteão, açodamento, jubiloso... Mas não duvido que o governador seria prontamente perdoado se houvesse embutido em sua entrevista alguns vocábulos da língua inglesa, pedantes e desnecessários, muito do agrado dos tolos e dos quais a imensa maioria de nossa população ignora o significado.
Há pouco, os jornais noticiaram o caso de humilde senhora que, em Brasília, ao acionar a porta de vidro de uma agência bancária, deu com um misterioso aviso, grafado na língua de Shakespeare: PUSH. Mal-alfabetizada em português, a coitada simplesmente PUXOU a porta de vidro, após o que uma barrinha de ferro despencou em seu couro cabeludo, jogando-a inconsciente ao chão. Acontece que PUSH, em inglês, significa EMPURRE, FORCE PARA A FRENTE, e não o que à primeira vista sugere. Vai então, a infeliz PUXOU a porta, forçando sua engrenagem e ocasionando a tragédia. Quem lhe mandou não saber conjugar verbos da língua inglesa, hã? Ainda mais neste mundo globalizado?...
Ao cabo das contas, sua crassa ignorância rendeu-lhe gorda idenização, arbitrada pela Justiça brasiliense, algo suficiente para compensar o susto e os arranhões na caixa pensante da pobre senhora. E também castigar com justeza o bolso de quem despreza o próprio idioma.
Depois dessa, uma pitada de humor fará bem a todos. É que uma jovem estudante solicitou-me uma lista de COISAS QUE NUNCA VEREMOS (ou quase...). Confesso que não tive dificuldade em relacionar algumas: Papa usar bigode; soldado usar rabo de cavalo e brinquinho; relógio andar para trás; brasileiro não dizer (pelo menos uma vez ao dia) a expressão ?com certeza?; índio de olhos verdes ou azuis; assalto a livraria; anjo adulto gordinho de olhos pretos; cidadezinha sem pracinha, igreja no alto com campo de futebol atrás e cemitério nos fundos; feijoada emagrecedora; japonês de olhos claros; machista inteligente; cabeça de bacalhau.
Imaginem o poema seguinte musicado e cantado pelo Fagner: PALAVRAS - Tudo as palavras dizem/a verdade, a mentira, a crueldade/ mas afinal o que perturba e espanta/ é o drama das que nunca foram ditas/ das palavras pequenas e infinitas/ que morrem na garganta!
Sua autora é a poeta portuguesa Virgínia Victorino. Poesia de verdade é isto: um recado em forma de palavras, imagens ou gestos que nos levem ao infinito.

Pedro Moreira
Professor de Português, revisor, consultor, autor dos livros "Casos e Coisas do Pará Antigo", "Cronicontos" e "O Pássaro e a Dona e Outros Textos".