Canto de Página

Publicidade é arte



Pedro Moreira
Pedro Moreira
Professor de Português, revisor,
consultor, autor dos livros
“Casos & Coisas do Pará Antigo”,
“Cronicontos” e “O Pássaro e a
Dona & Outros Textos”.
Garantem os filósofos de plantão que uma coisa é uma coisa e que outra coisa é outra coisa. E vice-versa. Como se vê, o enunciado é um desafio às mais afiadas inteligências. Menos estapafúrdio é o enunciado que ensina existirem dois tipos de propaganda: a propaganda e a propaganda. Uma tem o toque cerebral, encanta pela elegância da mensagem, levemente irônica e bem-humorada, quando possível. Dá gosto ouvi-la pelo rádio, vê-la (e ouvi-la) pela TV, dar com os olhos nela nas revistas, jornais e cartazes. A outra nos causa arrepios pela tolice explícita, pela comovente singeleza de sua concepção.

Está na lembrança de muitos uma propaganda de cerveja em que duas simpáticas mosquinhas saem voejando e, não mais que de repente, pousam numa mesa de bar, lambiscam a bebida derramada por algum lambuzão, saciam-se à farta e retomam o voo, enquanto uma voz nos informa que aquela marca “refresca até pensamento”... Coisa boa não se esquece.

Também me lembro de uma vez, era Dia da Secretária (30 de setembro), prestou-se delicada homenagem a esta profissional justamente identificada como braço-direito, anjo-da-guarda em qualquer setor de sua especialidade. Os jornais exibiram, então, em quarto de página, uma originalíssima homenagem à secretária. Nela um empresário, em texto afetuoso, expressa a admiração de toda a firma ao trabalho dela e à sua insubstituível figura. Só que o dito patrão, querendo armar uma surpresa, “catilografou”, ele próprio, a tal mensagem. Que desastre! As palavras brotaram aflitas, em completo desalinho, uma letra atropelando a outra, espaços fora de hora, uma tragédia inimaginável caso lá estivesse a secretária. Todos captaram nessa peça uma bem elaborada valorização da figura da secretária, criatura competente e dócil, emocionalmente talhada para assessorar a quem de direito e dar-lhe o suporte profissional requerido pela empresa.

Se existe a publicidade caracterizada pela excelência de forma e conteúdo outra existe para desafiar o eventual leitor, ouvinte ou telespectador de bom senso. A pobreza de conteúdo, o repasse ingênuo da mensagem só depõem contra o produto anunciado. A meio da lambança, a linguagem é, não raro, uma maçarocada de agressões à língua portuguesa. Voltando ao lado positivo da questão: certa vez - e lá vai uma pá de tempo – uma agência de publicidade, para honrar a gorda conta da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, reproduziu o sobrescrito de um envelope postado por um cidadão, morador no Rio de Janeiro, e destinado a compadre seu, residente em sertão distante. Desconhecendo o endereço oficial, o pobre homem sentiu-se na obrigação de escrever quase que outra carta no rosto do envelope, tal a riqueza de informações ali contidas. Algo assim detalhista: "Ao compadre Severino Ceixas – casa amarela da estrada que acaba perto do mata-burro antes da xacra do sô Ligoro, depois desce o caminho a esquerda de quem vai pra mata de calipe depois vira almenos peto da venda da Dorvina viúva do Zacaria. Anda 50 metros de curva da estradinha em frente da bica d’água e avista a dita casa amarela do Severino."

Como constava o nome da cidade e do distrito, não é que a carta chegou ao destino? Tal peça publicitária, que eu me lembre, foi premiada entre as mais criativas do ano. E com muita justiça. Afinal, depois de tanto “sô Ligoro” e “mata de calipe” pra lá, “venda da Dorvina” e “casa amarela” pra cá, estava consagrada a eficiência da gloriosa Empresa Brasileira de Correios.